Em 2014 Rupi Kaur lançou um livro de poesia inovador, empoderado, estrondoso. Outros jeitos de usar a boca ficou por muito tempo na lista dos mais vendidos da New York Times. O sucesso foi tamanho que o livro foi traduzido para mais de trinta idiomas. Eu só tive a oportunidade de lê-lo em 2018 e, como a maioria, fiquei chocado, extasiado com a leitura. Três anos após o lançamento do primeiro livro, em 2017, Rupi lança seu segundo trabalho intitulado originalmente como The sun and her flowers, na nossa tradução como O que o sol faz com as flores. O livro é dividido em cinco partes: Murchar, Cair, Enraizar, Crescer e Florescer. Quando tive o livro em mãos a primeira coisa que me chamou a atenção foi o nome de cada tópico. Vamos conversar um pouco sobre eles. Só pra adiantar, este não é o tipo de livro que você pega e diz "vou ler uma poesia por dia", não adianta, você não vai conseguir.
Murchar: A intensidade está marcada na escrita da Rupi, a pele dela grita e ela escreve. Nesta primeira parte do livro nos deparamos com o sofrimento, isolamento, a não aceitação de um fim, os questionamentos sobre algo que poderia ter sido, mas que já não é mais. É normal apaixonarmos pelo que inventamos da pessoa e não pelo que ela é de fato. E no sofrimento é quase impossível enxergarmos isso, não é mesmo? E em várias poesias deste tópico lemos sobre este desacontecimento. Quando você se doa e a outra pessoa não faz o mesmo, ela vai embora e leva tudo de você. Neste momento de abandono você não é nada. Você não é ninguém. Tudo que você tinha dentro de si. Tudo que você era. Foi levado. É o momento necessário para se reconstruir, ativar o modo fênix. A escrita da Rupi nos atinge com um baque tão forte que é preciso alguns segundos para respirar ao final de cada poesia. Por mais que a leitura te sufoca algumas vezes, não adianta, você vai querer prosseguir.
Cair: Se fosse necessário resumir esta parte do livro em uma só palavra, a escolhida seria Reconstrução. Está presente nos versos deste capítulo a barreira de proteção que vem após o abandono. É o momento de se enxergar cara a cara. O amor próprio. O ódio próprio. Lemos sobre decepções com amigos e sobre a alma estraçalhada de uma mulher estuprada. Ninguém nunca expôs o interior de uma mulher abusada com a Rupi expõe. Com o exagero verdadeiro, bem da forma que realmente é. A fuga dos rastros para o encontro da libertação. Cair dói mais ainda do que murchar. É o momento de reencontro consigo mesmo. O drama aqui deixa de ser drama. A dor é escancarada e o grito é ouvido. A sensação que você tem ao ler tanta coisa incrível é que você não está mais sozinho ou sozinha, alguém sentiu determinada dor como você. Acho que o sucesso da Rupi se deve a isto, ao fato dela ter posado sua alma nua. Toda ferida, cruamente.
Enraizar: A imigração é um marco nesta terceira parte do livro. A autora coloca nos versos a dor de não pertencer dos imigrantes, retalhos significativos sobre a história de sua família. Uma coisa linda que lemos aqui é a relação de amor entre mãe e filha, cheia de consideração, carinho, gratidão, sabedoria e respeito. Deixando claro que a mãe contribuiu bastante nessa coisa que a transborda e nos choca. Existe um texto neste capítulo que se chama "Conselhos que eu daria a minha mãe no dia do seu casamento". É algo tão real e forte. Tremendo! Roubamos tanto de nossas mães que nem nos damos conta disso. A Rupi traz isso aqui, o desejo de ver a mãe vivendo algo pleno no mundo, já que por várias circunstâncias ela foi privada disso antes. Feticídio feminino está presente aqui também, que pesado! As palavras deste livro são como um vento que beija devagar e subitamente o beijo se transforma em um rasgo seco, dolorido, e a pele pede por um refrigério que está logo ali, no final de cada página.
Crescer: A ferida antiga já não dói mais como antes e o corpo se encontra preparado para a aceitação de um novo amor. Lemos aqui sobre entrar no outro e permitir em nós passagem para o outro. Abrigo mútuo. Começar de novo é diferente de recomeço, estamos lendo agora sobre seguir em frente, aceitar um novo amor, algo que requer o esquecimento do outro, talvez seja doloroso, mas com certeza libertador. O encontro com alguém igual a nós mesmos, em troca e entrega, e assim crescer. É hora de enxergar o superestimado sem máscara, entrar na realidade e entender que já foi. Passou. Nas voltas que o mundo dá muitas coisas voltam aos seus devidos lugares. Aprendemos aceitar a vulnerabilidade e ver beleza nisso, aceitar também o amor real, e através dele enxergar a vida com gentileza e praticar isso. O mais impressionante é que a Rupi fala coisas incríveis sobre o amor sem mostrar perfeição nele.
Florescer: Vamos nos amar pessoal, ok? Aceitar nossos corpos do jeitinho que eles são, afinal, eles são nossas casas, precisam de cuidado, respeito, gentileza e principalmente, aceitação. Aquela mulher murcha da primeira parte do livro está de novo aqui, só que agora forte, decidida, empoderada, dona de si, florescendo. Falando sobre a masturbação como algo natural, normal e prazeroso. Liberdade e independência da mulher. Me pego pensando no impacto que a escrita da Rupi causa nas mulheres de sua cultura. Esse chá de liberdade é algo especial, glorioso, revolucionário. Encontrar lar dentro de si e jamais perder ou se esquecer de suas raízes. Do início ao fim, a intensidade sempre presente.
Título: O que o sol faz com as flores
Autor: Rupi Kaur
Editora: Planeta do Brasil
Páginas: 256
O que o sol faz com as flores é um livro grandioso e singular. Ele deve ser lido por todos, mas principalmente pelas mulheres, e estas devem compartilhar a experiência de leitura umas com as outras. Se unindo e se fortalecendo. Eu recomendo muito a leitura deste livro!
Muito obrigado por ler até aqui. Grande abraço! :)
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